Mulher, preta, gorda, de axé, neta de Chica Xavier, atriz, apresentadora, roteirista, produtora, assistente social, criadora de conteúdo, ativista antirracista e mais uma porção de coisas que as linhas desse texto não dariam conta.
E por que sempre iniciar minha apresentação dizendo que sou uma mulher preta? Talvez porque pela minha foto você não consiga identificar de imediato, ou não seja destemide para tal afirmação. Talvez porque a possibilidade de me classificarem como morena, mulata (escrevo essa palavra com dificuldade), cabo verde, marrom bombom e outros tantos termos que já ouvi, desperte em mim uma ira com a qual ainda não sei lidar. Talvez porque no Brasil seja absolutamente necessário me afirmar como tal, do contrário o racismo poderia me atropelar e me lembrar mesmo que eu não quisesse, que eu sou uma mulher preta. Talvez porque diante das concessões (jamais privilégios) que a condição social da minha família me permitiu ter, seja bem importante destacar que a história do povo preto no Brasil não está apenas relacionada a miserabilidade. Por ora vou parar com o “talvez” porque preciso terminar esse parágrafo com uma afirmação. O maior dos motivos de eu bradar veementemente que sou uma MULHER PRETA é o enorme orgulho que tenho de carregar em minha pele a força de um povo, a história potente dos meus antepassados. E nas palavras da já ancestral Makota Valdina: “Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados.”
E se você quiser saber se me orgulho também de ser múltipla, de desempenhar diversas funções simultaneamente, eu respondo SIM e NÃO. Porque a resposta seria “sim” caso essa fosse de fato uma escolha. Mas em um país que tenta de todas as formas silenciar e dizimar o povo preto, é imprescindível que nos façamos necessáries nos espaços. Porque se nossa presença for indispensável em determinados lugares, essa pode ser a nossa salva guarda. Essa pode ser a garantia de nossa sobrevivência. E minha resposta também é “não” porque cansa ser tantas. Tem dias que minha vontade era apenas existir, mas o verbo “resistir” faz parte diariamente do vocabulário da população preta.
Caso você tenha lido o último parágrafo pensando que existem muitas mulheres brancas que também desempenham inúmeras funções, eu já me adianto em lhe trazer uma importante reflexão. Mulheres brancas são fatalmente atravessadas pelo machismo. Mas em hipótese alguma precisam lidar com o racismo. E essa é a grande questão. Impeditivos podem existir. E eu não os desmereço, mas o fato é que NENHUMA dificuldade enfrentada por uma mulher branca está atrelada a cor de sua pele.
O racismo é cruel, é limitante, é perverso. O racismo silencia, adoece e mata. Por isso, se você escutar qualquer pessoa preta dizendo ter sido açoitada pelo racismo, ao menos pare para ouvi-la.
Minha intenção inicial ao escrever este texto era falar apenas sobre mim e não tocar no tema racismo. Mas o racismo me atravessa todos os dias, e por isso preciso falar sobre ele todos os dias.
E já que o objetivo é que você me conheça, é importante que saiba que essa sou eu. Tenho até aqui uma trajetória de muitas vitórias, mas por ser uma mulher preta, todas as minhas conquistas também estão carregadas de muita dor, luta e vontade de desistir.
Bom, você deve ter visto que me apresentei também como neta de Chica Xavier. E se você tem 30 anos ou mais, minimamente assiste TV, mas não sabe quem é esta senhora, volte duas casas. E pra que esse nosso papo fique ainda mais íntimo, dá um Google assim que terminar de ler esse meu texto. Minha avó é uma das maiores atrizes desse país. Ela trilhou junto com outras grandes damas como Cléa Simões, Ruth de Souza, Léa Gracia, Zezé Motta, o caminho para que atrizes como eu hoje pudessem ter mais chances na dramaturgia. Vovó é meu maior cartão de visitas, e eu sou uma mulher muito realizada por ter a chance de dar continuidade ao seu legado.
Não falarei separadamente de cada item da minha descrição, mas acho bem importante salientar que me tornei assistente social por conta da minha avó. Sou efetivamente atriz desde os meus 10 anos de idade, mas na época de vestibular minha avó Chica me convenceu a escolher outra carreira, que não a de atriz, porque ela era a prova viva de que o mundo artístico para a mulher preta estava longe de ser um paraíso. E ainda hoje não é. E isso é mais uma coisa que o racismo nos tira: o direito de sonhar.
Depois desta breve apresentação, quero dizer a você que estamos hoje selando um pacto. Um pacto de troca, de afeto e de crescimento mútuo. Esse espaço aqui é nosso e eu conto com você para que essa construção seja coletiva e producente.
Fecho esse nosso primeiro encontro com as palavras da grande filósofa norte-americana Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
Com afeto e axé, Luana Xavier.
Arrasou Luana! Com o tempo os leitores verão que essa apresentação grandiosa ainda foi pequena diante do seu tamanho.
Torcendo por vc! ✊🏾🖤