Antes de falar sobre a jornada de protagonismo da mulher negra, devemos ao menos começar com as devidas apresentações: meu nome é Mirtes Santana, sou roteirista moradora da periferia de São Paulo. Sou formada em Cinema e Audiovisual e, antes de escrever para cinema e TV, já trabalhei em produção executiva, com ilustração, numa gráfica e até numa fábrica de uniformes. Sei que parece muita coisa para uma mulher em seus vinte anos, mas acredite: eu teria feito muito mais se muitas portas não tivessem sido fechadas na minha cara por conta do racismo.
Quando recebi o convite da Suzana para escrever essa coluna, fiquei feliz pela possibilidade de criar um espaço onde eu pudesse contar narrativas negras. Mas, depois desse êxtase inicial, fiquei assustada. Quando a luz de um refletor é apontada para você, é difícil mesurar a responsabilidade de falar sobre as conquistas – e dores profundas – da comunidade negra no Brasil.
Nesse abismo contrastante, o medo é de falhar com meu povo, já que estamos em pouquíssimos espaços de poder. Então, decidi usar esse medo como força motora para a tarefa pessoal que assumi para essa coluna: criar um espaço em que possamos ressignificar, celebrar, vislumbrar o ser negra.
Hoje vivemos um momento frágil de muitas perdas, por conta da pandemia. Não nego que vivo num lugar de concessões que me permitem ter essa voz aqui. E, assim como vocês, tenho muitas perguntas e reflexões sobre o futuro, enquanto conto os dias sem saber em quantos dias faltam em que estaremos finalmente seguros.
Penso que meu papel como contadora de histórias é transformar esse episódio numa contranarrativa: precisamos falar da nossa negritude, do lugar de reinvenção da nossa identidade nesse caos, para não perdermos os direitos que já conquistamos e que sempre são ameaçados. Nós precisamos falar sobre nós agora.
Nessa relação, acredito que há respostas também nos pilares de passado diaspórico de resistência. Em palavras mais potentes, a nossa ancestralidade tem um papel fundamental na nossa construção e formação. Eu falo de história, porque eu acredito que eu não estaria aqui hoje, erguendo a minha voz, se minha mãe, minhas avós, minhas antepassadas, não tivessem depositado em mim a crença de um futuro melhor. E que futuro é construído a partir das pequenas conquistas do presente.
Sendo a única negra em muitos espaços, percebi uma solidão profunda em debater ideias, construir diálogos, construir questionamentos. Essa mesma solidão também permanece no âmbito afetivo e nas relações de trabalho.
Mas encontrei força em outras mulheres negras no caminho, que compartilhavam de experiências tão solitárias e violentas quanto as minhas, e percebi um padrão: as nossas jornadas de superação que ao mesmo tempo em que nos definem para branquitude e nos encorajam a seguir em frente, parecem, ao fim, querer nos oprimir numa demanda de meritocracia em que poucas de nós ascendemos.
Não temos controle da estrutura racial que nos oprime e nos separa. Ela nos controla, nos afasta das chances de uma vida digna. Estou aqui pra te afirmar que nenhuma narrativa negra é única. E é essa variação de cores, formas, militâncias que formam toda a negritude. Falhamos, gritamos, somos frágeis, sensíveis, ora fortes, ora sábios, ora estamos desorientados. Não queremos ser reduzidos à estereótipos nas telas de cinema, nem queremos ser a ausência nos espaços de poder. Batalhamos diariamente numa revolução silenciosa, enquanto lutamos para sobreviver. Somos presença e queremos ser livres.
Mas se tem uma coisa que eu, mulher millenial entendi é que a internet tem um poder incrível de compartilhamento expansível. Vivemos hoje num momento de informação, onde as afetividades estão se multiplicando e sendo compartilhadas. E racializar discussões e criar contextos podem potencializar nossas trocas para um mundo mais igualitário.
“Okay, ladies, now let’s get in formation!”.
Você mulher negra deve concordar comigo que o primeiro pilar que reivindicamos é a formação, que diz respeito ao acesso à educação. O segundo é de integração, porque simplesmente não adianta falar em diversidade, cruzar os braços e ficar sendo a única negra no rolê; terceiro, aceleração: não vamos ficar estacionadas num mesmo cargo pra sempre, precisamos subir porque a posição que mais amamos é a de CEO. E eu estou aqui pra te apoiar.
Você vem comigo nessa jornada? Apertem os cintos, arrume o seu black e vamos rumo às aventuras afrofuturistas da protagonista negra! Bem vindos a MULHER NEGRA DO FUTURO.
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